No Limits / série MERGULHO
Narro aqui duas experiências:
Pinto uma tela. Uma tela que seja maior que eu… que eu ‘caiba’ suficientemente dentro dela para me sentir mergulhando neste espaço criado com a tinta. Pinto o fundo em preto opaco, deixando escapar estrias e falhas no processo de contato da tinta com a tela, para ao menos sentir que existe algum vínculo com a matéria em manipulação. Como uma janela-porta vazia, um mundo sem objetos, sem saturação de imagens e coisas, o preto se torna buraco, abismo. Sucessivamente começo a aplicar camadas fluidas e transparentes de tinta azul, como veladuras, preenchendo este espaço com luz, cor e água, como se emergisse das profundezas do oceano uma transparência misteriosa neste retorno à superfície.
Vejo uma tela. Ela tem uma dimensão grande o suficiente para me deter em sua frente, solicitando-me uma apreensão olhar-corpo. Ela é escura e sombria, e me faz ficar em silêncio. Aos poucos meu olhar é conduzido a áreas mais claras de onde emergem a cor azul, e o que parecia de relance apenas uma superfície, apresenta uma profundidade sutil, tanto no deslocamento planar frontal, quanto no deslocamento pelo sentido de leitura. Não só meu olhar vagueia através do campo bidimensional, mas meu corpo vai sentir desejo (em vão) de explorar também esta profundidade e luminosidade que rasga a escuridão pretensa.
As duas experiências – do artista e do espectador – são de deslocamento interno profundo, de espelho sem reflexos imediatos num espaço pictórico que apresenta aptidão para o indeterminado e o abstrato. Experiências estas solitárias que evocam o silêncio e a meditação, onde a pintura se torna uma passagem para uma emersão do artista e uma imersão do espectador.
Entre o visível e o invisível, a experiência visual na pintura de Sonia Wysard ao se deslocar pela escuridão e luminosidade da cor, proporciona a oportunidade de entrar profundamente num espaço íntimo e obscuro da percepção e subjetividade própria de cada um.