De 2007 a 2017 – 10 anos de produção

 

O preto, aplicado sistematicamente e em diversas maneiras, está sempre presente no meu percurso artístico, e marca assim essa primeira década de trabalho e pesquisa no campo pictórico.

No início, uma economia de cores visava destacar o gesto, onde o preto e o branco eram apenas marcas e rastros das trinchas, com um certo controle na vertical ou na horizontal que descreviam percursos, mas nada feito ao puro acaso. Existia sempre um projeto e uma valorização da expressão e da vitalidade do gesto, como nas pinturas da série SUCESSÃO.

Depois, o uso de rodos e de outros instrumentos determinavam o arrastar da tinta uma sobre a outra, ora o branco se sobrepunha ao preto e ora vice-versa, em um movimento que o espectador encontra dificuldade em distinguir qual gesto/cor veio primeiro. A série RASTRO então sugere imagens insulares ou paisagens noturnas, mas sem essa intenção representativa direta, sendo apenas o resultado dos movimentos intencionais registrados no suporte, causando uma tensão, não só do contraste, mas também da casualidade da marca do gesto. As pinturas tem uma aspereza, um ressecamento, um aspecto de gravura devido à escassez de matéria. O controle e o descontrole.

O preto então é esquentado ou esfriado quando recebe uma grande quantidade de vermelho ou de azul, ou mesmo o preto fosco sobre preto brilhante, que deslizam um sobre outro num jogo muito sutil. Nessa etapa as pinturas ganham um ar mais sombrio, necessitando de maior percepção do observador para distinguir a intenção dos gestos e a tensão criada.

Até esse momento o espaço pictórico era coberto uniformemente pela tinta, sem que a tela pudesse respirar em algum momento. Na série SOMBRAS, as pinturas passam a ganhar o trabalho gestual das trinchas e o arrastar dos rodos simultaneamente, e a tela apresenta áreas de respiro e áreas de exaustão. Ora o preto predomina e ora o branco, sugerindo sombras. Existe uma simplicidade da forma sem que haja falta de expressividade.

Por fim, na série LIMITE VISÍVEL e na atual pesquisa da série MERGULHO, uma luz muito sutil rompe com essa escuridão quebrando o uso do preto que, ainda muito presente, porém mais diluído, passa a deixar-se penetrar pela cor de fato. O campo de cor agora é mais valorizado, criando superfícies, blocos e até possíveis “paisagens” ou ambientes de luz e cor.

O preto, ainda fundamental na intenção de delinear o que deve ser visto, atua sem o uso da linha e do desenho, criando imagens que se desmancham intencionalmente em formas assimétricas que sugerem abismos, buracos, redemoinhos. São percursos visuais dentro do campo pictórico que conduzem o olhar do espectador e que aliado à escala do trabalho, sugerem um deslocamento visual/mental que espelha também um possível deslocamento virtual do corpo do espectador.

As manchas de cor são obtidas pela transparência e pela sobreposição da tinta diluída, quase no mesmo modo operativo de uma aquarela em velaturas. A cor pode parecer mais densa dependendo da intensidade da luz que consegue penetrar na pintura e retornar. Um certo silêncio velado e um repouso para contemplação da pintura estão presentes nesses trabalhos.

A série LIMITE VISÍVEL e principalmente a série MERGULHO apresentam trabalhos que exigem um empenho muito maior do olhar, sendo assim impossível ter uma noção próxima do real através apenas de reprodução fotográfica. A pintura então exige a presença diante da obra como parte fundamental para vivenciar a percepção completa da obra.

Sonia Wysard

( Agosto/2017 )

SUCESSÃO I / SUCCESSION I Díptico / Diptych Acrílica sobre tela/Acrylic on canvas 100x240cm 100x120cm cada/each (2008)
RASTRO II / TRAIL II Acrílica sobre tela / Acrylic on canvas 65x110cm (2010)
SOMBRAS II / SHADOWS II Acrílica sobre tela/Acrylic on canvas 130x200cm (2011)
LIMITE VISÍVEL II / VISIBLE LIMIT II Acrílica sobre tela/Acrylic on canvas 137x92cm (2014)
MERGULHO I / DIVING I Acrílica sobre tela/Acrylic on canvas 205x146cm (2011)